sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Nico Nicolaiewsky

Que lindo...
E que saudade...
Interessante, alguém que mal se foi e já faz falta...



Nico Nicolaiewsky


ÀS CINCO DA MANHÃ
Fabrício Carpinejar

Às cinco da manhã, a morte tem menos esperança, a fé tem menos altares, as velas se apagaram nas esquinas de Porto Alegre. Às cinco da manhã, o Guaíba quebrou a sua luz, o pão se partiu sozinho, o açúcar perdeu seu brilho.

Às cinco da manhã, as roletas do trem pararam de pensar, os elevadores se sentiram velhos, as pombas fizeram greve dos farelos.

Às cinco da manhã, o suor veio antes do sol, as ladeiras se despedaçaram como vidraças, as sombras correram para o Mercado Público.

Às cinco da manhã, o musgo se divorciou da pedra, ex-fumantes voltaram ao vício, amantes fingiram derradeiras promessas, não havia chave para abrir as janelas.

Às cinco da manhã, morreu Nico Nicolaiewsky. Ai que terrível, serão cinco e meia da manhã nos relógios da capital gaúcha durante o dia inteiro.

Nico colocou seu último suspiro para sorrir. Pensou que fosse a mesma coisa. Sorrir, suspirar.

Acenou com os dentes, mordeu a palha do vento, como a dizer que daria uma volta no invisível e já retomava o ensaio com os violinos.

Às cinco da manhã, Nico largou ao chão sua gravata, seu colete, seu par de sapatos de bico fino, seu bigode da Sbórnia, suas canções desesperadas de amor. E as rosas brotaram de sua pele branca e cansada.

Enrolem o Maestro Pletskaya com as cortinas do Theatro São Pedro, coloquem algodão em seus ouvidos, ele é todo feito de cristal: ele é todo cristalino.

Morreu Nico. Morreu o tango de novo. Morreu a própria tragédia. Sua voz era de um lobo que já tinha sido homem. Hoje só podemos cantar uivando.

Não terá caixão para levá-lo. Não terá caixão para fechá-lo. Ele não é um morto, mas um piano parado.

Confisquem a lua em fevereiro, os corrimões das escadas, soltem os dragões e os cachorros de pedra da Praça da Matriz.

Segurem minhas mãos para pegar o telefone. Segurem meus braços para não esmurrar a porta. Segurem minhas pernas para não procurá-lo. Segurem meus joelhos para não acordar o acordeom. Amarrem-me em qualquer lugar que não fale o português e desperte saudade. Prendam-me na cama, anestesiem meu sangue - estou tão acostumado a enxergá-lo vivo que fui junto.

Só deixem minha cabeça livre. Para mexer a cabeça, dançar o Copérnico com os olhos e esperar que ele volte.

Ele sempre volta.







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